A informação como código genético do projeto

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Sempre que pensamos em Gestão de Projetos, de imediato nos vêm à ideia as diversas definições que todos conhecemos e que associamos aos processos, metodologias, organização, ferramentas, competências, recursos, entregáveis e planeamento de atividades que nos permitem assegurar o cumprimento de metas e objetivos, no contexto das práticas e conhecimentos desta área.

A gestão de projetos de infraestruturas socorre-se dessas mesmas definições, não exigindo novos conceitos ou dimensões, o que torna distinto o desafio da gestão deste tipo de projetos é a informação que o suporta, em qualidade e oportunidade, daí que, nesta reflexão que gostaria de partilhar convosco, o foco será o controlo da informação em empreendimentos de construção de infraestruturas.

E é esta informação que assume a expressão de código genético do Projeto, sempre que se processa a sua transferência. Se fizermos uma analogia com a teoria matemática de comunicação que define o conteúdo de informação de sinal em função do seu valor de surpresa, a quantidade de informação de um sinal é inversamente proporcional à probabilidade de ocorrência dentro do sistema, ou seja, quanto menos provável é um sinal mais informação aporta. 

…só um conjunto de dados interpretados constitui uma informação…

Na linguagem quotidiana confunde-se frequentemente a noção da informação com o dado, esquecendo que só um conjunto de dados interpretados constitui uma informação. A informação semântica pode ser definida como uma relação entre a descrição de uma situação, compreendida como um conjunto de proposições, e o conjunto de descrições que a eliminam. Analogicamente ao estudo da informação do sinal, a informação semântica também pode ser estudada à base do contexto. Assim, uma informação completamente determinada pelo contexto corresponderia ao valor (de surpresa) igual a zero.

Fica, assim, completamente claro que a informação de que falamos diz respeito a um conjunto de dados interpretados e contextualizados e que é o seu processo de transmissão e transferência que condiciona o ADN de um projeto, tal como sucede com o código genético, cuja definição “O código genético forma os modelos hereditários dos seres vivos. É nele que está toda a informação que rege a sequência dos aminoácidos codificada pelo encadeamento de nucleotídeos. Estes são compostos de desoxirribose, fosfato e uma base orgânica, do tipo citosina, adenina, guanina ou timina.”, nos suscita a analogia de base desta reflexão.

Comecemos por admitir que a construção de infraestruturas decorre de um pensamento estruturado e estratégico, na maioria dos casos, mas não exclusivamente, de promotores públicos, que exige a adesão a políticas de longo prazo e a definição de requisitos de carácter muito abrangente, a montante da decisão de se perspetivar e avançar para a construção:

Quadro 1 - Processo de decisão em projetos de infrastruturas

Como exemplo, não se constrói um aeroporto, um porto, uma autoestrada, uma linha férrea, um sistema de metro, uma barragem, um sistema de abastecimento de água, uma rede de distribuição de energia, um hospital ou qualquer outra infraestrutura, para um horizonte de curto ou médio prazo, nem se constrói uma infraestrutura para um dimensionamento do presente, a projeção para o futuro e a capacidade de ampliação são características fulcrais a ter em conta.

Por outro lado, tendo presente que a gestão de projetos não é uma ferramenta ou um recurso, mas antes uma prática, a sua maior probabilidade de sucesso está diretamente relacionada com o momento em que se dá início à gestão de projeto que, idealmente, deverá começar logo nesta fase de pensamento estratégico da construção de uma infraestrutura.

E é igualmente nesta fase que começa a perceção da importância e a validação da informação, porque é a informação que suporta a decisão de se avançar com o investimento, nomeadamente, no que se refere aos estudos técnicos, económicos e financeiros que determinam essa decisão.

Associar a informação acerca das necessidades, dos requisitos funcionais, da procura, da população alvo, da materialização de uma política estratégica, com o estudo da viabilidade técnica e económica do projeto e, ainda, com as disponibilidades e linhas de financiamento desse projeto, trata-se de uma tarefa essencial, que só poderá ter sucesso se a qualidade da informação compilada, processada e produzida para o atingimento do objetivo determinado pela infraestrutura em questão, bem como a oportunidade em que é emitida e apresentada, discutida e aprovada, forem asseguradas:

Uma vez decidida a implementação da infraestrutura, entramos na fase de projeto, etapa fundamental para que os conceitos decididos e aprovados para o projeto da(s) infraestrutura(s) em questão se materializem em soluções técnicas exequíveis e que cumpram os objetivos de funcionalidade e qualidade, custos e prazos.
Quadro 5 – Fase de projeto de execução – “o quê?” vs “quanto?”

E, mais uma vez, a informação é a pedra angular desta fase, tornando-se essencial assegurar que todos os dados existentes, bem como aqueles que se procuram, compilam e processam para acorrer às necessidades do projeto, são aportados no momento certo, na quantidade necessária e com a qualidade conveniente para que, uma vez processados e interpretados, constituam a informação de base para o projeto, garante da sua adequação aos objetivos programados.

Por outro lado, a coordenação, o acompanhamento e a revisão de projeto, são tarefas associadas a esta fase que vivem, na sua essência, da informação que se transmite e da oportunidade em que tal é feito, para que seja possível assegurar que, a par de uma arquitetura adequada e dos cálculos, dimensionamento e desenho de engenharia convenientes e seguros, seja possível traduzir a essência do projeto em informação percetível ao nível mais pragmático, que responda a questões tão basilares como: “o quê?” e “quanto?”.

As mais recentes metodologias de projeto, como é o caso do BIM (Building Information Modeling), assentam na melhoria da comunicação entre especialistas de projeto e na partilha de informação, sendo que os softwares que suportam estas metodologias permitem aos seus utilizadores acederem e acrescentarem informações relevantes sobre o processo de construção, contemplando uma nova maneira de representação, a visualização em 3D e a gestão da informação durante todo o ciclo de vida da infraestrutura, num processo de otimização destes modelos de gestão da informação do projeto que assenta na maximização da sua utilização por um número crescente de profissionais do setor da construção, sendo uma das suas principais vantagens, a prevenção dos erros de projeto.

Talvez por isso me atreva a considerar o mapa de medições, quantidades e preços, que expressa o binómio “o quê?” e “quanto?”, como a informação que maior definição percetível transmite a todos quantos intervêm no projeto, no que respeita à sua materialização.

E é exatamente por esse facto que também me permito sublinhar que a este mapa, peça do projeto de execução (independentemente do seu autor ser o promotor ou dono da obra – no caso de o projeto ser da responsabilidade do dono da obra – ou o empreiteiro – no caso de conceção-construção), deve ser dada a devida atenção e investidos os recursos necessários para que esta definição permita a melhor tradução, em termos quantitativos, da infraestrutura que se pretende construir:

Quadro 5 – Fase de projeto de execução – “o quê?” vs “quanto?”

Nesta etapa não podem ser esquecidos os preceitos e tarefas de verificação, validação e aprovação, essenciais para que a informação que é entregue à etapa seguinte, a etapa da construção, é a mais clara e correta, em termos qualitativos e em termos quantitativos, a que se junta o apuramento do investimento efetivo na infraestrutura, quando o empreiteiro define os preços unitários dos itens daquele mapa de quantidades e preços, definindo assim o valor do seu contrato.

E é esta nova dimensão da informação que permite acrescentar mais uma sequência ao código genético do projeto, cujo controlo na fase de construção é essencial para a gestão do projeto, nas três dimensões essenciais que o configuram: a qualidade, o custo e o prazo.

É igualmente fundamental que a base de controlo destas três dimensões seja a mesma, o que significa que será necessário que se associem numa cadeia de verificação, validação e aprovação que, em cada momento, possa assegurar o paralelismo da materialização do projeto em obra em escrupuloso cumprimento dos requisitos de qualidade associados a cada uma das suas componentes, com a execução física e a execução económica do projeto.

Para tal, uma das principais recomendações é que se façam coincidir as bases de cálculo da execução física com a execução económica, o que implica que o plano de trabalhos seja organizado exatamente com as mesmas atividades que compõem o mapa de quantidades e preços:

Quadro 6 – Fase de construção – planeamento vs custos

Na verdade, a informação que é transmitida pelo seguimento do plano de trabalhos, elaborado na base referida anteriormente, a que acresce a métrica dos recursos afetos e dos rendimentos associados a cada atividade, permite não só o seguimento do cumprimento dos prazos, a antecipação de desvios e as medidas para correção desses desvios, como o paralelismo direto com o seguimento da quantificação económica dessas mesmas atividades, no que constitui uma das ferramentas mais poderosas de gestão de projetos, ao associar a execução física à execução económica.

Na mesma linha de raciocínio, sempre que uma tarefa é considerada executada fisicamente e economicamente, tal significa que essa atividade foi considerada de acordo com os requisitos que lhe estão associados, pois, caso contrário, existirão não conformidades associadas, não podendo a atividade ser considerada concluída.

Daí, percebe-se que a informação acerca da qualidade, no seu sentido mais lato tal como referido anteriormente, deverá estar igualmente funcionalizada à execução física e económica, o que implica, igualmente, a adoção de planos da qualidade – que incorporem todas as atividades alvo de medição e valorização – de forma a que a boa execução possa ser atestada ou corrigida, incluindo as alterações de projeto que se revelem necessárias para não comprometer o projeto, ao mesmo ritmo do seguimento e medição dos trabalhos realizados, bem como da sua contabilização no seguimento do plano de trabalhos.

E é este controlo, atempado, da informação do projeto na sua etapa de construção, que permite assegurar a monitorização dos objetivos fixados, a antecipação e diagnóstico dos desvios verificados e a definição precoce das correções necessárias, de forma a não prejudicar nenhum dos padrões definidos para a qualidade, os custos e os prazos de execução, essenciais para a gestão do projeto.

Desta forma atinge-se o final da etapa de construção, cuja receção e formalização de fecho só pode ter lugar quando se reúne toda a informação indispensável para validar o projeto executado em obra (telas finais), o bom desempenho dos testes, ensaios e provas de comissionamento e colocação em serviço, a conta final da obra, a compilação técnica, os manuais de operação, os manuais de manutenção e toda a documentação necessária para a manutenção e exploração da infraestrutura construída, que constituirá, em si mesma, a etapa seguinte do projeto.

A gestão de ativos, com o enquadramento da operação e manutenção na fase de exploração da infraestrutura, incorpora a última sequência no código genético do projeto, mantendo-se a pertinência da gestão das três dimensões essenciais: a qualidade, o custo e o prazo.

A questão da informação e da sua transferência numa cadeia organizada, funcional e documentável, como ferramenta indispensável da gestão de projeto, determina a sua boa execução e o atingimento dos respetivos objetivos, no que anteriormente se referiu como o código genético do projeto.

Mas para que a utilização da informação no contexto da construção de infraestruturas seja efetiva e eficaz em quantidade, qualidade e oportunidade, de forma a permitir a prática essencial da gestão de projeto, é fundamental que toda esta informação seja produzida, compilada, processada e disponibilizada em tempo oportuno a todos os intervenientes que dela necessitam, numa cadeia de transferência organizada, funcional e documentável, através de circuitos de validação e aprovação, assumindo um papel indispensável na gestão de projetos de infraestruturas, determinando a boa execução das atividades que conformam a construção da infraestrutura e o atingimento dos respetivos objetivos.

E na era digital em que vivemos, o desafio é acrescido, requerendo o desenvolvimento de novas e mais robustas ferramentas e aplicações informáticas que permitam o tratamento de toda a informação de forma integrada, de acordo com os princípios relacionais que se referiram, em tempo oportuno e de acordo com as exigências das distintas fases do projeto.:

Quadro 7 – Gestão integrada da informação de projeto
É este o desafio que aqui fica, a debater numa próxima oportunidade.
Ana Madeira

Ana Madeira

Diretora Operacional da Madeira, na CONSULGAL, S.A.

Licenciada em Engenharia Química, ramo de Processos e Indústria, pelo Instituto Superior Técnico, Lisboa em 1990 e Pós-Graduação em Engenharia Humana pela Universidade do Minho, Guimarães em 1994.
Tendo-se dedicado durante 10 anos à atividade de processo, ambiente e segurança na indústria da pasta e papel, que acumulou com responsabilidades de gestão de projetos naquelas áreas e de licenciamento industrial e engenharia de processo, nos últimos 20 anos tem desenvolvido a atividade profissional na área de consultoria de engenharia em projetos pluridisciplinares, nacionais e internacionais, essencialmente ao nível de tarefas ligadas à gestão e coordenação de projetos envolvendo todo o circuito de vida dos mesmos, nas componentes operacional, técnica, comercial e económico-financeira, e de coordenação da assessoria jurídico-contratual, exercendo atualmente essas funções como Diretora Contratual e Jurídica, que acumula com as funções de Diretora Operacional da Madeira, na CONSULGAL, S.A. Possui experiência nos domínios de projetos ferroviários e sistemas metro, projetos industriais, barragens, requalificação urbana, edifícios, portos e aeroportos.